Um cantor com apenas sete ouvintes mensais no Spotify recebeu R$ 880 mil em cachês da Prefeitura de São Paulo desde junho de 2023, para apresentações em quermesses e eventos de bairro. As contratações foram feitas sem licitação, sob a justificativa de que se trata de um “artista consagrado”, o que dispensa o processo competitivo.
Os pagamentos foram realizados pela Secretaria Municipal de Cultura e podem chegar a R$ 930 mil, considerando uma apresentação recente ainda não quitada. O artista é parente de um integrante do primeiro escalão da gestão municipal, e suas apresentações foram viabilizadas por meio de emendas parlamentares destinadas pelo próprio familiar, atualmente licenciado do cargo de vereador.
De acordo com documentos analisados, as justificativas para o cachê elevado e a dispensa de licitação se baseiam em textos retirados do próprio site do artista, que citam supostos elogios de celebridades e a participação em um álbum experimental de 2014. A documentação técnica que comprovaria sua consagração artística foi colocada sob sigilo.
Repasses e emendas vinculadas
As contratações ocorreram dentro do Circuito Cultural de Rua, programa municipal voltado a apresentações em festas de bairro. Em 2023, duas emendas parlamentares no valor total de R$ 700 mil foram destinadas ao programa — nos meses seguintes, o cantor recebeu R$ 425 mil em cachês por apresentações nessas mesmas ações culturais.
Além dele, outros artistas representados pela mesma produtora foram beneficiados por emendas vinculadas ao mesmo parlamentar, somando R$ 1,1 milhão entre 2023 e 2024.
Histórico e justificativas
Segundo registros públicos, o músico passou a ser contratado pela prefeitura após pequenas apresentações em barzinhos e eventos particulares. Desde então, foi incluído em nove contratos de shows em quermesses, com cachês individuais de até R$ 50 mil, valor muito acima do teto de R$ 3,5 mil previsto na Tabela de Referência de Contratações Artísticas da Secretaria de Cultura.
Por determinação do Tribunal de Contas do Município, a contratação de artistas consagrados deve ser acompanhada de parecer técnico que ateste a relevância pública do artista e a compatibilidade de preços. No entanto, os pareceres apresentados reproduzem informações promocionais do próprio cantor, sem comprovação de reconhecimento público ou histórico profissional compatível.
Em nota, a Secretaria de Cultura informou que “todas as contratações seguem rigorosamente os critérios legais” e que cada processo inclui “a comprovação de valores compatíveis e documentação que atesta a consagração dos artistas”. Já a produtora responsável pelas contratações afirmou que “observa integralmente todos os requisitos legais” e que só se manifestará após a publicação oficial da reportagem.
A situação levanta suspeitas de favorecimento e conflito de interesses, já que os eventos foram financiados com emendas direcionadas pelo próprio familiar do artista, o qual também divulgou vídeos de apoio ao músico em suas redes sociais durante o período eleitoral.
Com informações de O Globo.