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Lockdown causa depressão e suicídio? O que um ano de covid-19 nos revela sobre saúde mental

Pelo que foi observado até o momento, a maioria das pessoas se mostrou muito resiliente e conseguiu se adaptar à nova rotina imposta pela pandemia

Quando a covid-19 começou a se espalhar pelo Brasil em março de 2020 e exigiu a adoção de medidas mais restritivas, especialistas em saúde mental passaram a usar o termo “quarta onda” para se referir à avalanche de novos casos de depressão, ansiedade e outros transtornos psiquiátricos que viriam pela frente.

Mas, contrariando todas as expectativas, os primeiros 12 meses pandêmicos não resultaram em mais diagnósticos dessas doenças: estudos publicados nas últimas semanas indicam que os números de indivíduos acometidos tiveram até uma ligeira subida no início da crise, mas depois eles se mantiveram estáveis dali em diante.

Outros achados recentes também apontam que políticas mais extremas como o lockdown, adotadas em vários países e tão necessárias para achatar as curvas de contágio e evitar o colapso dos sistemas de saúde, não resultaram numa piora do bem-estar ou no aumento dos casos de suicídio.

A tese que liga lockdown a aumento de doenças mentais é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que usa essa e outras justificativas econômicas para resistir à necessidade de firmar decretos que fechem o comércio e reduzam a circulação de pessoas pelas ruas.Num discurso feito aos seus apoiadores na frente do Palácio do Planalto na manhã da última sexta-feira (19/03), o presidente voltou a abordar o assunto:

“O caos vem aí, a fome vai tirar o pessoal de casa, vamos ter problemas que nunca esperamos ter, problemas sociais gravíssimos. Tenho mantido todos os ministros informados sobre o que está acontecendo. E ainda me culpam, como se eu fosse um insensível no tocante a morte. A fome também mata, a depressão tem causado muito suicídio no Brasil. Onde nós vamos parar?”, questionou.

O ponto é que, até agora, os cientistas não encontraram essa subida vertiginosa nos números de depressão ou suicídio. Os estudos indicam que os casos continuam estáveis, apesar de todas as privações que o mundo está vivendo.

Mas como é possível explicar a capacidade de adaptação, a resiliência e o equilíbrio mental inesperado das pessoas num momento de tantas notícias ruins, dúvidas e incertezas sobre o futuro?

A diferença entre sentir e sofrer

Em maio e junho de 2020, começaram a ser publicados os primeiros trabalhos que mediam a saúde psicológica e a qualidade de vida das pessoas na pandemia.

Os dados não eram nada animadores: alguns estudos indicavam que quase metade dos entrevistados apresentavam sintomas de depressão e ansiedade, enquanto outros detectaram um aumento preocupante no consumo de bebidas alcoólicas e nas dificuldades para dormir.

Mas todas essas pesquisas traziam uma grande limitação: elas se baseavam em entrevistas e enquetes feitas pela internet ou por telefone.

“Por mais que muitas dessas iniciativas tenham recrutado dezenas de milhares de voluntários, não havia comparação com a situação deles num período anterior, antes da covid-19”, observa o psiquiatra Andre Brunoni, professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

É possível especular, então, que esse tipo de questionário online ou por telefone chame mais a atenção de indivíduos que se sentem aflitos e preocupados com toda a situação. Com isso, as porcentagens podem ficar infladas e não refletem necessariamente a média da sociedade.

Outro defeito importante desses estudos: eles avaliaram sintomas, e não as doenças.

A diferença pode até parecer sutil numa análise superficial, mas ter sintomas depressivos ou ansiosos é absolutamente diferente de possuir um diagnóstico de depressão ou ansiedade.